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Debêntures de infraestrutura driblam crise de crédito

7 minutos de leitura
Valor Econômico
21 set 2023

Volume emitido até agosto somou R$ 21,8 bilhões, depois de um primeiro trimestre em que casos corporativos paralisaram o mercado

As debêntures de infraestrutura, títulos incentivados com isenção de imposto de renda, ganharam tração, chamando a atenção de investidores e empresas em um ano marcado por uma crise sem precedentes do crédito privado iniciada com a eclosão dos casos Americanas e Light. No ano, até agosto, as emissões somaram R$ 21,8 bilhões, segundo dados da gestora JGP, que fez o compilado a pedido do Valor. Há potencial para que esse volume cresça ainda mais com outras operações na fila e a estimativa de mercado é de que alcance entre R$ 40 bilhões e R$ 45 bilhões até o fim de 2023. Isso representaria um aumento de pouco mais de 10% em relação ao volume captado no ano anterior, mas ainda não alçaria um novo recorde.

Além do setor de saneamento, responsável por duas megaoperações recentes – das empresas Aegea e Iguá, que somaram R$ 10 bilhões e registraram ampla demanda de investidores -, energia e rodovias deverão puxar para cima o volume antes do fim do ano. Esses dois setores foram responsáveis por 90% do volume captado em 2022, segundo dados consolidados pelo Ministério da Economia. Copel, Cemig e CPFL estão entre as empresas que devem anunciar operações em breve, segundo fontes.
Entre as operações mais recentes está a da Eletrobras. A companhia de energia levantou R$ 7 bilhões com debêntures na sexta-feira, sendo R$ 4 bilhões com títulos incentivados. Também no fim da última semana, a Suzano fechou a captação de R$ 2 bilhões com títulos. Enauta, Taesa e VLI Multimodal estão entre as companhias com operações na rua. O responsável pelo banco de investimento do Bradesco BBI, Felipe Thut, afirma que estão na fila muitas operações, mas o início do ano, travado para operações para mercado de capitais, prejudicou o segmento. “Com isso, se perdeu volume do ano e vai acabar ficando aquém do que poderia ter sido”, diz. O executivo aponta que o cenário atual tem sido muito atrativo para investimento nesses papéis, dado que o momento é de fechamento das taxas de juros. “E ainda estamos vendo taxas muito atrativas.”

Ricardo Russo, chefe da área de infraestrutura de Pinheiro Neto Advogados, afirma que o segundo semestre aquecido também é reflexo de um represamento de operações e que há setores, como o de saneamento, que precisam de investimentos pesados. “O segmento de ferrovia, por exemplo, está copiando o marco de saneamento. A área de saneamento teve uma revolução e a demanda nesse segmento vai crescer muito”, diz.

A maior parte das ofertas de debêntures registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nas últimas semanas envolve títulos de infraestrutura, um movimento o que é explicado sobretudo pela demanda por esses títulos. Depois do “trauma” causado pelas crises corporativas do início do ano, os investidores resolveram voltar para o segmento de crédito privado apostando suas fichas em companhias vistas como mais seguras, considerando a previsibilidade das receitas. “Agosto foi o primeiro mês em que a indústria de crédito teve captação positiva, após um período de saídas, mas especificamente em infraestrutura notamos que essa captação começou mais cedo, há cerca de cinco meses”, diz Antônio Pedro de Leão Teixeira, sócio e gestor da JGP responsável pela área de infraestrutura.


Há três meses, o mercado temia que, com o número de emissões de infraestrutura planejadas, pudesse faltar demanda, mas isso acabou não ocorrendo, diz Felipe Wilberg, diretor de renda fixa e produtos estruturados do Itaú BBA. “Havia uma preocupação de que tivesse tanto papel que a demanda não ia acompanhar, mas não é isso que temos visto. Pelo contrário. A demanda anda muito bem.”

O volume por operação também tem crescido, o que mostra que esse mercado tem ganhado profundidade, diz Getúlio Lobo, chefe de distribuição de renda fixa do banco de investimento da XP. “Se lá atrás uma oferta de R$ 500 milhões era considerada grande, hoje R$ 1 bilhão é um volume tranquilo para o mercado absorver”, afirma.

Perdendo o início do ano marcado pela crise de crédito no mercado, em 2023 o volume não irá alcançar o recorde anterior, registrado em 2021, quando as emissões de debêntures de infraestrutura somaram R$ 46,9 bilhões. Para 2024 a visão é a de que o mercado é ainda maior, com uma mudança de regras recente que abarcou mais setores elegíveis a emitir papéis incentivados, como saúde e educação.

O potencial de emissões de títulos, considerando apenas projetos de infraestrutura, era de R$ 255,8 bilhões no fim de 2022, segundo dados mais recentes do Ministério da Economia. O número considera o capex de projetos já autorizados. A maior parte desse montante, cerca de 72%, corresponde a projetos de empresas de energia.

O que se vê hoje é que o volume de emissões dos títulos incentivados tem se distanciado dos volumes das debêntures corporativas, o que tem feito que gestoras passassem a olhar mais de perto essas emissões, com algumas casas estruturando fundos exclusivamente para esses títulos de dívida.

Na Legacy, por exemplo, a casa lançou neste ano o segundo fundo de infraestrutura, diante de uma visão positiva para esses papéis. “Hoje é nas debêntures de infraestrutura onde eu vejo o maior potencial de ganho para os próximos seis meses”, diz o responsável pela área de crédito da gestora, Leonardo Ono.

Segundo Ono, pela primeira vez esses o mercado observa uma abertura das NTNBs (títulos do Tesouro) conjuntamente com o spread de crédito, sendo que historicamente esses indicadores andam na contramão. “Nunca tinha visto um papel pagar IPCA mais 7,5%/8%”, comenta. O investidor pessoa física, cotista dos fundos, também é contemplado com a isenção de imposto de renda e também do come-cotas.

A JGP, por sua vez, pretende listar nos próximos meses um fundo incentivado com investimentos em infraestrutura (FI-Infra) com a expectativa de captar entre R$ 300 e R$ 400 milhões. Parte dos investimentos deve ser voltada para títulos originados pela própria gestora e outros ativos menos líquidos. A JGP já tem um fundo de infraestrutura D + 30 que captou R$ 220 milhões nos últimos cinco meses.

O aumento da tributação de fundos exclusivos pode contribuir para empurrar outros investidores para o mercado de infraestrutura. Algumas gestoras com unidades de gestão de fortunas já foram consultadas por clientes sobre a possibilidade de aumentar o volume alocado em fundos incentivados.

“A gente já fazia provocações a alguns family offices no passado para montar estruturas considerando títulos de infraestrutura, mas agora, com a possibilidade dos fundos exclusivos acabarem o interesse cresceu muito”, diz Ulisses Nehmi, presidente da gestora Sparta. “É uma estrutura que já existe e pode até ser mais eficiente que fundos fechados, considerando a isenção de impostos”, diz.


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